Hidratação

Nas águas minerais, atenção ao flúor

Tese de doutorado da UFPel faz o alerta: no sistema público de abastecimento, os níveis de fluoretação estão adequados, diferentemente do ano 2000

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Análises identificaram resultados que não condizem com o rótulo (Foto: Jô Folha - DP) 

Os níveis de flúor da água que chega a mais de 323 mil moradores abastecidos pelo sistema público em Pelotas estão dentro do ideal à saúde bucal. A confirmação é fruto de estudo desenvolvido em parceria entre a Faculdade de Odontologia e o Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A tese de doutorado, entretanto, deixa um alerta à comunidade. Se você é consumidor de água mineral, fique atento: os níveis de fluoretação podem não ser o suficiente para trazer os benefícios de prevenção às cáries. Uma medida efetiva e barata. Foi o que ficou constatado depois de, exatamente, um ano de análises em laboratório.

Com os resultados em mãos, os pesquisadores têm um desafio a mais, para além da publicação de artigos científicos. Em breve, a equipe deve procurar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com um objetivo: fazer com que - através de portaria - o governo federal defina e cobre parâmetros mínimos de fluoretação também às indústrias de água mineral. Hoje, a exigência é feita apenas à distribuição de água via sistema público. "Se o aumento no consumo de água mineral é observado cada vez mais, que essas pessoas possam contar com o efeito benéfico do flúor", defende o coordenador do estudo, o professor Flávio Demarco.

São as tratativas que estão por vir. Afinal, a obrigatoriedade da fluoretação nas redes públicas não surgiu ao acaso. A legislação cumpriria um papel social e passava a ajudar na redução de iniquidades - enfatiza o doutor em Odontologia. E é simples de entender. O acesso à água tratada, teoricamente, deveria chegar em todos os lares. Era, portanto, uma política igualitária de prevenção. É algo que não se aplica quando o tema em análise é sobre consultas periódicas ao dentista e qualidade da escova e da pasta de dente; dois quesitos que escancaram as desigualdades sociais e transformam-se em números. Tanto que 80% da ocorrência de cáries fica concentrada em cerca de 20% da população, justamente os cidadãos em situação de maior vulnerabilidade social.

A posição do Sanep
A concentração de flúor no tratamento da água, em Pelotas, é analisada de duas em duas horas para os parâmetros estabelecidos pela União serem respeitados - explica o engenheiro químico Vinícius Gonçalves. A temperatura, entretanto, também interfere. Quanto mais calor, menores podem ser os níveis aplicados, já que se entende que o consumo de água cresce e, consequentemente, o contato com o flúor também. Daí, a concentração pode ser reduzida.

**Controle periódico**. Desde o ano 2000, a Faculdade de Odontologia tem monitorado a fluoretação das águas consumidas em Pelotas. Naquele momento, a água distribuída pelo Sanep não apresentava níveis adequados. Em 2005, foi a vez de os estudos se voltarem à indústria. E, de novo, a situação não era a ideal. Entre os principais apontamentos, os valores de flúor encontrados não coincidiam com os rotulados e, em alguns casos, a quantidade não aparecia nos rótulos. Algumas marcas também apresentavam níveis de concentração elevados.

Conheça o estudo

1 - Análise da concentração de flúor no abastecimento público de água - ADEQUADA
- As coletas foram realizadas mensalmente ao longo de um ano, de julho de 2013 a junho de 2014
- Foram 384 amostras - de 5 ml - coletadas sempre no 1º dia de cada mês
- Ao todo, 16 pontos entraram para o roteiro; três junto às Estações de Tratamento de Água (ETAs) e 13 em locais públicos: escolas, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e hospitais, selecionados de modo a contemplar diferentes regiões da cidade:

* ETA Sinotti
* ETA Santa Bárbara
* ETA Moreira
* Reservatório do Balneário dos Prazeres
* Escola Santo Antônio
* Escola Adolfo Fetter
* Escola Osmar da Rocha Grafulha
* Escola Areal
* Escola Doutor Francisco Campos Barreto
* UBS Ercy Ribeiro
* Centro de Especialidades
* Hospital-Escola UFPel
* Parque da Baronesa
* Associação Rural de Pelotas
* Condomínio Residencial Ana Terra
* Igreja Martinho Lutero

- Resultado: 15 dos 16 pontos da rede pública de água incluídos nas análises apresentaram níveis de flúor dentro da faixa de 0,55 a 0,84 miligrama por litro de água (mg F/L), considerada de máximo benefício contra a cárie e mínimo risco de fluorose dental. Apenas um ponto de coleta, na Associação Rural de Pelotas, apresentou valores médios e medianos abaixo destes níveis.

2 - Análise da concentração de flúor em águas minerais - EM GERAL FORA DOS NÍVEIS CONSIDERADOS ADEQUADOS
- Levantamento realizado junto a três supermercados de grande e médio portes de Pelotas acabou por definir as cinco marcas mais comercializadas
- Duas garrafas de 500 ml de cada uma das marcas - nas versões com e sem gás - foram adquiridas no mesmo período das coletas de água do sistema público: de julho de 2013 até junho de 2014

- Resultado: foram encontrados resultados extremos. Quatro amostras (de duas marcas, com e sem gás) obtiveram benefício anticárie e risco de fluorose insignificantes: 0,0 a 0,44 miligrama de flúor por litro. Outras quatro amostras (de outras duas marcas, com e sem gás) apresentaram benefício questionável e alto risco de fluorose: 1,15 a 1,44 mg F/L. Apenas uma delas apresentou valores médios dentro da faixa adequada.
O panorama identificado pela pesquisa da UFPel reflete um cenário nacional, já verificado em outros estudos científicos que também demonstraram baixos níveis de fluoretação nas águas minerais.

Fique atento: os resultados do estudo mostram que é preciso legislação e fiscalização mais exigente quanto ao conteúdo das águas minerais. Por quê?
a) As informações sobre os níveis de flúor descritas nos rótulos nem sempre condizem com os valores encontrados nas análises.
b) Podem ser classificadas como "fluoretadas" as águas engarrafadas que contenham qualquer quantidade de flúor, mesmo que em nível insignificante para proporcionar benefício. Cria-se a impressão de uma vantagem que, na maior parte das vezes, não é entregue ao consumidor.

Saiba mais
- A autora da tese de doutorado Níveis de fluoretos na água de abastecimento público e em águas engarrafadas, consumo destas águas e impacto na ocorrência de cárie dentária: estudo no Sul do Brasil é Raquel Venâncio Dantas.
- A coordenação do estudo, realizado em parceria entre os Programas de Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia e do Centro de Pesquisas Epidemiológicas, ficou a cargo do professor da Odontologia, Flávio Demarco.
- As análises foram realizadas pelo Laboratório de Bioquímica Oral da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Universidade de Campinas (Unicamp) - através de um eletrodo íon-específico.
- A classificação dos resultados tomou como base parâmetros de concentração de flúor na água de consumo, propostos pelo Centro Colaborador do Ministério da Saúde, em Vigilância da Saúde Bucal, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
- O estudo, defendido em final de abril, avaliou somente a fluoretação da água. A pesquisa não fez qualquer outra análise quanto às condições de potabilidade.

Você sabia? 
- A fluoretação é uma medida efetiva e barata para prevenir a ocorrência de cáries. É considerada uma das dez medidas de saúde pública mais importantes do século 20 - conforme o Centro de Controle de Doenças, dos Estados Unidos.
- O excesso de flúor está relacionado ao risco de fluorose, que pode provocar manchas e outros danos ao esmalte dos dentes, principalmente em crianças na fase de desenvolvimento da dentição permanente, e causar problemas ósseos.
- 35% da população mundial tem cárie não tratada nos dentes permanentes e 9% das crianças possuem dentes de leite careados. Qualificar, portanto, todas as formas de prevenção é fundamental.

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